Escrito por Fabiana Bigão Silva
Pense em um jogo que você goste muito: seja videogame, jogo de tabuleiro, de cartas, com bola, etc. Por que você gosta desse jogo? Já pensou sobre isso?
Com certeza, a maioria das pessoas gostam de determinados jogos não por causa dos pontos, medalhas e rankings. Jogos são contagiantes porque nos permitem resolver desafios, passar mais tempo com amigos, receber surpresas, alguns são colaborativos e outros competitivos.
Jogos são desenvolvidos pensando nas pessoas e em como queremos que elas se sintam. Os designers de jogos conhecem sobre os princípios psicológicos que geram motivação. É sobre isso que vamos falar nesse artigo.
Gamificação focada na motivação das pessoas
Se pararmos para pensar, não existe um propósito real para jogar jogos, certo? Ninguém é obrigado a jogar um jogo. Você joga porque quer, e no momento que um jogo deixa de ser divertido, você vai fazer outra coisa.
Jogos são empolgantes porque conseguem engajar o cérebro humano. Na gamificação, muitas pessoas estão obcecadas com as mecânicas, as recompensas, os pontos, as medalhas, os painéis de liderança e os níveis.
Mas um dos problemas na indústria da gamificação é justamente começar uma arquitetura pensando: que elementos de jogos vou precisar? Esse é o ponto de vista de um designer ruim. Um jogo pode ter todos esses elementos e, mesmo assim, ser chato e entediante.
Do ponto de vista de um bom designer de jogos, em vez de pensar em quais elementos usar, é necessário analisar, antes, de que maneira ele quer que seus usuários se sintam. Inspirados? Orgulhosos? Com medo? A partir daí, ele pensará nos elementos que irão gerar esses sentimentos.
A boa gamificação, portanto, não começa com elementos de jogos, e sim com os core drives, com o que motiva as pessoas.
Octalysis Framework: gamificação a partir da motivação
Um dos pioneiros da gamificação, Yu-Kai Chou criou seu framework, chamado Octalysis, estudando jogos e entendendo o que os tornava verdadeiramente divertidos. Ele percebeu que não era por causa de pontos, medalhas, painéis de liderança e outras mecânicas – que todos os jogos têm – que as pessoas se sentiam motivadas a jogar. Também não era pelo aspecto gráfico.
Yu-Kai Chou descobriu, então, que os jogos de sucesso têm em comum oito princípios psicológicos da motivação. Todas as coisas que fazemos são baseadas em um ou mais desses oito princípios. Se não existe nenhum deles, então não há motivação.
Os oito princípios psicológicos da motivação
1 Epic Meaning and Calling (Significado épico e vocação):
Somos motivados porque pensamos fazer parte de algo maior. É esse princípio que motiva as pessoas a contribuírem no Wikipedia, por exemplo. As pessoas não contribuem no Wikipedia por dinheiro ou pelo currículo.
2 Development & accomplishment (Desenvolvimento e senso de realização):
Nós somos motivados porque crescemos, conseguimos ter domínio e melhoramos. É aqui que pontos, níveis, barras de progresso, entre outros elementos atuam. Eles mostram senso de desenvolvimento.
Medalhas, por exemplo, de qualquer tipo, são símbolos de conquista. Assim, se uma medalha for dada por qualquer bobagem que fizermos, isso se torna um insulto. A questão, portanto, não é usar pura e simplesmente as medalhas, mas fazer as pessoas sentirem que conquistaram algo, ter senso de realização.
3 Empowerment of creativity & feedback (Promoção da criatividade e feedback):
Esse princípio está relacionado a dar às pessoas liberdade para fazer algo do jeito que quiserem, aprender com o feedback e tentar fazer novamente. Tem a ver com liberdade para falhar.
4 Ownership & possession (Senso de propriedade):
Quando sentimos que possuímos algo, queremos melhorá-lo, protegê-lo e conquistar mais. Esse princípio tem a ver com moedas virtuais, mas também com acúmulo de saúde, coleção de selos, etc.
5 Social influence & relatedness (Influência social e relacionamento):
A influência social tem significado na medida em que o que fazemos está baseado no que outras pessoas fazem, dizem ou pensam. O relacionamento está fundamentado em algo que não é estranho e que apresenta afinidades.
Por exemplo, temos mais chance de comprar um produto quando ele nos remete à nossa infância, ou que foi indicado por alguém conhecido. Um elemento muito abordado em influência social são as missões em grupo.
6 Scarcity & impatience (Escassez e impaciência):
Esse princípio tem relação com o fato de que queremos algo somente porque não podemos ter. Se as uvas estão na mesa, não vamos querer pegar. Nele, a exclusividade é o suficiente para modelar nosso comportamento.
7 Unpredictability & curiosity (Imprevisibilidade e curiosidade):
Porque não sabemos o que vai acontecer a seguir, ficamos sempre pensando nisso. É o princípio usado pela indústria de apostas, responsável por nos fazer terminar um livro ou um filme. Existem várias pesquisas científicas por trás desse princípio.
8 Loss & avoidance (Perda e prevenção):
Ocorre quando fazemos coisas para evitar perda, pois não queremos que algo ruim aconteça. O game Farmville exemplifica bem esse princípio. Nesse jogo, caso você fique algum tempo sem “cuidar” da sua fazenda, você perde todo o trabalho já realizado.
Após apresentar os oito princípios psicológicos da motivação humana, é preciso pensar em quais são os elementos da gamificação que os suportam. A chave é saber como criar um gatilho para acionar esses core drivers.
Voltando à pergunta inicial deste texto, o que fez aquele jogo específico ser divertido e interessante a você? A resposta está aqui: não é porque ele possuía elementos e mecânicas de jogos. Isso todos eles têm. Ele era interessante porque exatamente os elementos certos para motivar você.
Fonte: este texto foi baseado na palestra proferida por Yu-Kai Choo no Google Talks. Você pode assistir à palestra completa aqui.
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